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Local: Apucarana, Paraná, Brazil

05 outubro 2010

Gladiadores

Um assunto que ainda toma das rodas de discussões sobre o futebol é a violência. Não apenas entre os torcedores, mas também dentro de campo, onde jogadores usam da violência para conter os mais habilidosos.

Tomo a liberdade para disponibilizar aos meus cinco leitores diários um artigo assinado por Frei Betto e publicado no jornal Correio Brasiliense.

Vale a pena perder alguns minutos para ler e meditar as colocações de tão ilustre jornalista, filósofo, teólogo e antropólogo.


O futebol já foi esporte. Hoje, é competição. Já foi arte. Hoje, é violência. Já foi fator de integração social. Hoje, acirra disputas entre torcidas enfurecidas. Os estádios, em dia de jogo, parecem penitenciárias em dia de visitas. Policiais por todos os lados, torcedores revistados, armas apreendidas.

Os jogadores mais se parecem atletas de luta-livre. Entram em campo para trucidar o adversário. Predomina a agressão verbal e física. As faltas não resultam da disputa de bola. São premeditadas e visam a imobilizar o adversário, de preferência mandá-lo para fora de campo ou mesmo para o hospital.

Os valores democráticos são negados pelo ethos guerreiro do futebol que se pratica hoje. Os times entram em campo imbuídos de espírito revanchista. Por trás de cada jogador há o jogo de poder dos cartolas. Os atletas valem pelo que representam monetariamente. São tratados como produtos de exportação. E, num mundo carente de heróis altruístas, eles ocupam o vácuo. São idolatrados, invejados, imitados.

Na cabeça de milhares de crianças e jovens, eis um modo de se tornar rico e famoso sem precisar dar duro nos estudos. Basta ter a habilidade de fazer a bola obedecer a vontade que se manifesta nos pés.

Gigante adormecido não é apenas o Brasil. É também a nossa seleção, desde a conquista do pentacampeonato. Agora ela acorda. Acorda para a Copa de 2014, que terá o Brasil como palco. Alguns bilhões de dólares estão em jogo. Por isso, o que parece uma simples partida entre dois times é, para cartolas e investidores, laboratório destinado a transformar gatos em leões.

O Brasil não pode, em 2014, repetir o vexame de 1950. Naquela Copa, no jogo final, em pleno Maracanã, o Uruguai ganhou do Brasil por 1 X 0. Naquela época, o futebol ainda era esporte. Os estádios não se pareciam a coliseus nem os atletas a gladiadores. E os cartolas torciam mais por seus times que por suas contas bancárias.

Bons jogadores não brotam de um dia para o outro. São preparados desde a infância. Os clubes mantêm escolinhas de futebol. Muitas exigem dos alunos frequência à escola formal e boas notas. Isso é bom. Mas não o suficiente. Essas crianças deveriam também aprender o que significa ética nos esportes. Valores e direitos humanos. Para que, mais tarde, alucinadas pela fama e pela fortuna, não se transformem em monstros suspeitos de cumplicidade com traficantes e de homicídios hediondos.

Alguém já refletiu em que medida o bullying, que tanto assusta as escolas, é reflexo do que se passa em nossos estádios? Onde falta educação campeia a perversão. Se a lei do mais forte é o que predomina aos olhos da multidão, como esperar uma atitude diferente de crianças e jovens carentes de exemplos de generosidade e solidariedade?

Nosso futebol, tão bom de bola, não estaria ruim da cabeça? Não teria se transformado num imenso cassino monitorado por quem angaria fortunas? Faz sentido, num país civilizado, atletas, símbolos de vida saudável, posarem de garotos-propaganda de bebidas alcoólicas?

Há que escolher entre Olímpia e Roma, maratona e coliseu. E conhecer a diferença entre os verbos disputar e aniquilar.